Da mesma autora de O Feitiço dos Espinhos, esse best-seller do New York Times tem tudo para conquistar os leitores.
Se você ainda não conhece essa história escrita pela autora americana Margaret Rogerson, O Encanto dos Corvos (título original: An Enchantment of Ravens) conta a história de Isobel, uma garota humana que ganha a vida pintando retratos para o povo das fadas.
A edição da Literalize tem 350 páginas impressas em papel amarelado, guardas coloridas e capa dura. O lançamento oficial é em 07 de dezembro de 2021.

A capa é uma adaptação do projeto original de Sonia Chaghatzbanian, com ilustração de Charlie Bowater.
Leia a sinopse completa:
Uma fantasia em volume único da autora de O Feitiço dos Espinhos
Com apenas algumas pinceladas, Isobel cria retratos deslumbrantes para clientes perigosos: o povo das fadas. Esses seres imortais não são capazes de criar — mesmo as coisas mais simples como assar pães ou escrever cartas os reduziria a pó. Eles anseiam pela habilidade que os humanos têm de produzir, e trocam feitiços valiosos pelas pinturas feitas por Isobel. Quando a garota recebe o seu primeiro cliente da realeza — Rook, o príncipe do outono — ela comete um erro terrível: sem pensar, Isobel pinta uma emoção humana no rosto dele, uma fraqueza que pode custar não só o trono, mas a vida do príncipe.
Furioso, Rook decide que Isobel precisa ser levada para o reino das fadas e punida pelo crime, mas as coisas saem de controle quando os dois são atacados no meio do caminho. Para sobreviver, eles precisam aprender a confiar um no outro e, dessa confiança, emoções perigosas começam a emergir… Será que o talento de Isobel será suficiente para desafiar as forças sombrias que dominam as cortes feéricas?
Acompanhe Isobel e Rook em sua jornada fascinante em um lugar onde a beleza esconde um mundo perverso e o preço da sobrevivência pode ser mais assustador do que a morte.
O lançamento oficial do livro é em 07 de dezembro de 2021, e a pré-venda já está aberta! Conheça os brindes exclusivos da nossa campanha de pré-venda e lançamento:
Marcador com tassel

O marcador com tassel, um dos nossos brindes de pré-venda mais amados, está de volta! Dessa vez, com a arte da capa de O Encanto dos Corvos e com pingente bege. O marcador tem 5x18cm, com impressão dos dois lados.
Mouse pad com arte exclusiva

Nós adoramos trazer brindes diferentes e úteis, e o escolhido da vez foi um mouse pad. A arte é exclusiva, e foi inteiramente inspirada na história e nos nossos protagonistas, Isobel e Rook. A frase escolhida é dita pela Isobel em um momento crucial do livro, e nós achamos que ela seria uma ótima inspiração para os leitores. O tamanho do mouse pad é 15x20cm.
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Ainda não se convenceu? Leia os dois primeiros capítulos do livro:
UM
Meu estúdio cheirava a óleo de linhaça e alfazema-brava, e uma mancha de amarelo de estanho brilhava na tela. Eu quase acertara a cor do casaco de seda de Gadfly.
O problema é que era difícil de persuadir Gadfly a vestir as mesmas roupas em todas as sessões. Tinta a óleo leva dias para secar entre as camadas, mas ele não conseguia entender por que não podia simplesmente trocar as roupas por outras de sua preferência. Era extremamente vaidoso até mesmo para os padrões do povo das fadas, o que se assemelhava a dizer que um lago era inesperadamente molhado, ou que um urso era surpreendentemente peludo. Em suma, era uma característica incongruente numa criatura capaz de me assassinar sem nem precisar mudar o horário do chá.
— Estou pensando em mandá-la bordar detalhes prateados nos punhos — disse ele. — O que você acha? Dá para acrescentar, não dá?
— Dá, sim.
— E se eu escolhesse outra gravata…
Por dentro, revirei os olhos. Por fora, meu rosto doía, resultado de duas horas e meia mantendo o mesmo sorriso educado. Grosseria não era um erro aceitável.
— Posso alterar a gravata desde que seja aproximadamente do mesmo tamanho, mas precisarei de mais uma sessão para finalizá-la.
— Você é mesmo maravilhosa. Muito melhor do que o retratista anterior… aquele que estava aqui outro dia. Como ele se chama mesmo? Sebastian Manywarts? Ah, eu não gostava dele, tinha um cheiro esquisito.
Levei um instante para entender que Gadfly se referia a Silas Merryweather, um mestre do Ofício que morrera há mais de trezentos anos.
— Obrigada — respondi. — Que elogio bondoso.
— Como é interessante ver o Ofício mudar com o tempo.
Mal prestando atenção, ele pegou um bolinho da bandeja ao lado do assento. Em vez de comê-lo de uma vez, encarou-o, como se fosse um entomologista ao descobrir um besouro com a cabeça invertida.
— A gente acha que já viu o melhor dos humanos — continuou —, mas de repente surge um novo método para pintar louças, ou esses bolinhos fantásticos com recheio de limão.
Àquela altura eu já tinha me acostumado aos maneirismos feéricos. Não desviei o olhar da manga esquerda, e continuei pintando o amarelo-brilhante da seda. Entretanto, me lembro de quando o comportamento das fadas me incomodava. Elas se moviam de forma diferente da dos humanos: de forma graciosa, precisa, com um rigor peculiar à postura, nem mesmo um dedinho escapava. Podiam passar horas imóveis sem piscar, e podiam se mover com agilidade temível, aproximando-se antes que se tivesse tempo de soltar um grito de surpresa.
Recostei-me na cadeira, segurando o pincel, e analisei o retrato em sua totalidade. Estava quase pronto. Ali encontrava-se a imagem congelada de Gadfly, tão imutável quanto o próprio. Não conseguia entender por que o povo das fadas tinha tanto apreço por retratos. Supunha que tinha a ver com vaidade e sede insaciável de se cercar de Ofício humano. Nunca refletiriam sobre a juventude, pois era só o que conheciam, e, quando morressem, isso se morressem, os retratos já estariam há muito carcomidos.
Gadfly aparentava ser um homem de trinta e poucos anos. Como todos de seu povo, era alto, magro e belo. Seus olhos eram de um azul-cristalino, lembravam o céu após a chuva que afastava o calor do verão; sua pele, pálida e impecável como porcelana; e seu cabelo, como a prata áurea radiante do orvalho iluminado pelo amanhecer. Sei que parece ridículo, mas o povo das fadas exige tais comparações. Não há como descrevê-los de outra forma. Dizem que um poeta do reino Excêntrico morreu de desespero ao se descobrir incapaz de registrar em alegorias a beleza feérica. Acho mais provável que tenha morrido envenenado por arsênico, mas é assim que a história é contada.
É preciso lembrar, é claro, que isso tudo é um encanto, não se trata da aparência verdadeira deles.
Fadas são talentosas na dissimulação, mas não podem mentir descaradamente. Os encantos sempre têm falhas. A de Gadfly era nos dedos — eram compridos demais para serem humanos e, às vezes, as articulações se dobravam de forma estranha. Se alguém olhasse atentamente para aquelas mãos, ele cruzaria os dedos, ou os cobriria com um guardanapo, fugindo do olhar alheio como aranhas. Ele era a fada mais agradável que eu conhecia, mais relaxado em relação às boas maneiras do que o resto, mas nunca era recomendado encará-lo — a não ser, como eu, que tivesse um bom motivo para tal.
Gadfly enfim comeu o bolinho. Não o vi mastigar antes de engolir.
— Estamos acabando por hoje — falei, limpando o pincel em um trapo antes de largá-lo no pote de óleo de linhaça ao lado do cavalete. — Quer dar uma olhada?
— E precisa perguntar? Isobel, você sabe que eu nunca recusaria a oportunidade de admirar o seu Ofício.
Quando percebi, Gadfly já estava em pé atrás de mim, olhando por cima de meu ombro. Ele mantinha um espaço educado entre nós, mas seu cheiro inumano me envolveu: um perfume verdejante de folhas primaveris, a doce fragrância das flores silvestres. Por baixo, um toque mais animal — um ser que vagara pela floresta por milênios, cujos dedos compridos e aracnídeos rasgariam uma garganta humana sem que a vítima interrompesse seu sorriso cordial.
Meu coração quase saiu pela garganta. “Estou segura nesta casa”, lembrei a mim mesma.
— Acho que gosto mesmo desta gravata, afinal — disse ele. — Trabalho admirável, como de costume. O que devo a você mesmo?
Olhei de relance para seu elegante perfil. Uma mecha de cabelo escapara da fita azul na nuca, como se por acidente. Eu me perguntei por que ele escolhera esse detalhe.
— Concordamos em um feitiço para as galinhas — lembrei. — Todas vão pôr seis bons ovos por semana, pelo resto da vida, e não podem morrer cedo por motivo algum.
— Que simples — suspirou ele, trágico. — Você é a mais talentosa em seu Ofício de toda nossa era. Imagine tudo que eu poderia lhe dar! Posso fazer com que, no lugar de lágrimas, seus olhos derramem pérolas. Posso oferecer a você um sorriso que amarre o coração dos homens, ou um vestido que, uma vez visto, nunca será esquecido. Mas você prefere pedir ovos.
— Eu gosto muito de ovos — respondi com firmeza.
Eu sabia bem que os feitiços que ele descrevia tomariam caminhos estranhos e amargos, até fatais, no final. Além disso, o que eu faria com o coração dos homens? Isso não daria uma boa omelete.
— Ah, bem, se você insiste. O feitiço começará a funcionar amanhã. Dito isso, tenho que ir… Preciso contratar o bordado.
Levantei, fazendo a cadeira ranger, e fiz uma reverência quando ele parou perto da porta. Em resposta, ele se curvou com elegância. Como a maioria de seu povo, era ótimo em fingir que retribuía o cumprimento por escolha, e não por uma compulsão rígida que, para ele, era tão necessária quanto o ar que respirava.
— Ah! — acrescentou, endireitando-se. — Quase esqueci. A corte da primavera anda cochichando que o príncipe do outono virá visitá-la. Imagine só! Mal posso esperar para saber se ele será capaz de aguentar uma sessão inteira sentado, ou se correrá atrás da Caça Bravia assim que chegar.
Não fui capaz de controlar minha reação. Olhei boquiaberta para Gadfly até um sorriso confuso se abrir em seu rosto e ele estender uma mão pálida na minha direção, talvez tentando determinar se eu tinha morrido de pé — não era uma preocupação absurda, já que, para ele, humanos certamente pareciam falecer sob as menores provocações.
— O príncipe… — Minha voz saiu rouca.
Fechei a boca e pigarreei antes de continuar:
— Tem certeza? Eu tinha a impressão de que o príncipe do outono não visitava o reino Excêntrico. Ninguém o vê há centenas…
Faltaram-me palavras.
— Posso garantir que ele está vivinho da silva. Ora, eu o encontrei em um baile ontem mesmo! Ou foi no mês passado? De qualquer forma, ele deve aparecer aqui amanhã. Por favor, mande um abraço.
— Se… Será uma honra — gaguejei, mentalmente me recriminando por conta de minha rara perda de compostura.
De repente, desesperada por ar fresco, atravessei o estúdio para abrir a porta. Depois de me despedir de Gadfly, continuei observando o campo de trigo estival, onde sua silhueta percorria o caminho.
Uma nuvem passou sob o sol e sua sombra cobriu minha casa. A estação nunca mudava no reino Excêntrico, mas, quando uma folha caiu da árvore, seguida por outra, não pude deixar de sentir a chegada de uma transformação. Bastava saber se eu a aprovaria.
DOIS
— Amanhã! Gadfly disse que seria amanhã! Você sabe como eles são com relação ao tempo mortal. E se ele chegar de madrugada, exigindo que eu trabalhe de camisola? Meu melhor vestido está rasgado, não dá para consertar a tempo… Vou ter que usar o azul.
Enquanto eu falava, massageava óleo de linhaça nas mãos e as esfregava violentamente com uma toalha. Em geral, não me preocupava com limpar a tinta da minha pele, mas quase nunca trabalhava com a realeza do povo das fadas, então não sabia que tipo de besteira trivial os ofenderia.
— Além disso, meu amarelo de estanho está acabando, então vou precisar ir à cidade hoje à noite… Merda. Que merda! Desculpe, Emma.
Levantei as saias, afastando-as da água que se espalhava pelo chão, e me abaixei para pegar o balde derrubado.
— Pelo amor, Isobel, está tudo bem. March…
Minha tia abaixou os óculos, apertando os olhos.
— … não, May — continuou ela. — Você pode limpar essa bagunça para sua irmã, por favor? O dia dela está sendo um daqueles.
— O que significa merda? — perguntou May, atenta, pulando aos meus pés com um pano de chão.
— É a palavra para quando derrubamos um balde de água sem querer — respondi, ciente de que ela acharia a verdade perigosamente inspiradora. — Cadê a March?
May abriu um sorriso, mostrando os dentes que faltavam.
— Em cima do armário.
— March! Desça do armário!
— Ela está brincando lá em cima, Isobel — disse May, jogando água por cima do meu sapato.
— Ela não vai poder brincar se estiver morta — retruquei.
Balindo de alegria, March pulou do alto do armário, derrubou uma cadeira e saltitou pela sala. Veio na nossa direção e eu ergui as mãos para afastá-la, mas não era comigo que ela queria se encontrar — era com May, que se levantou a tempo para bater com a cabeça na da irmã, o que me permitiu um respiro momentâneo enquanto cambaleavam, tontas por causa da pancada. Suspirei. Eu e Emma estávamos tentando colocar um fim naquela mania.
Minhas irmãs gêmeas não eram exatamente humanas. Tinham nascido como uma dupla de cabras, até que uma fada bebeu vinho demais e as enfeitiçou de brincadeira. O processo de adaptá-las era lento, mas me lembrei de que ao menos era um processo. No ano anterior, elas nem sabiam fazer xixi no lugar certo. E, a favor delas, ainda tinha o fato de que o feitiço da transformação as deixara mais ou menos indestrutíveis: eu já vira March sobreviver a comer um pote quebrado, sumagre-venenoso, beladona e várias salamandras infelizes, e não sentiu qualquer efeito nocivo. Pular de armários talvez fosse mais arriscado para os móveis do que para March.
— Isobel, venha aqui um pouquinho — chamou minha tia, interrompendo meus pensamentos.
Ela me encarou por cima dos óculos até que eu a obedecesse e, então, pegou minhas mãos, limpando uma manchinha que eu não tinha notado.
— Vai dar tudo certo amanhã — disse ela com autoridade. — Tenho certeza de que o príncipe do outono é igual a todas as outras fadas, mas, mesmo se não for, lembre-se de que você está em segurança nesta casa.
Ela segurou minhas mãos e as apertou.
— Lembre-se do que ganhou para nós — insistiu.
Apertei as mãos dela de volta. Talvez eu estivesse merecendo essa conversa de menininha. Tentei conter o tom queixoso da minha voz ao responder:
— Você sabe que eu não gosto de não saber o que esperar.
— Pode até ser, mas você está mais preparada para esse tipo de coisa do que todo o resto do reino. Nós sabemos disso e o povo das fadas também sabe. Ontem no mercado, ouvi comentários de que, nesse ritmo, você pode até ir parar no Poço Verde…
Puxei as mãos, chocada.
— Óbvio que não vai — corrigiu-se minha tia. — Sei que você não escolheria isso. O que estou querendo dizer é que, se o povo das fadas considera algum humano como indispensável, esse ser humano é você, e isso tem muito valor. Vai dar tudo certo amanhã.
Suspirei profundamente e alisei minhas saias.
— Imagino que você esteja certa — respondi, secretamente duvidosa. — Preciso partir agora se eu quiser voltar antes do escurecer. March e May, não enlouqueçam Emma. Espero que esta cozinha esteja um brilho quando eu voltar.
Olhei com ênfase para a cadeira derrubada conforme saía da cozinha.
— Pelo menos a gente não jogou merda pelo chão inteiro! — gritou May.
#
Quando eu era criança, ir à cidade era uma aventura. Mas, hoje, só queria que fosse rápido. Meu estômago se embrulhava mais e mais a cada pessoa que via, pela janela, passar na rua.
— Só amarelo de estanho? — perguntou o moço atrás do balcão, embrulhando cuidadosamente o giz num pedaço de papel.
Phineas só começara a trabalhar ali algumas semanas antes, mas já me conhecia bem o suficiente para saber meus hábitos.
— Pensando bem, acrescenta um de verde-terra e dois de vermelhão. Ah! E tudo que tiver de carvão, por favor.
Ao vê-lo separar meu pedido, senti o desespero do trabalho que me aguardava à noite. Precisava moer e misturar os pigmentos, selecionar a paleta e esticar a tela. A sessão de amanhã provavelmente se limitaria a esboçar o príncipe, mas eu não aguentaria estar despreparada para outras possibilidades.
Olhei de relance pela janela quando Phineas saiu de vista. Uma camada de poeira cobria o vidro, e a localização da loja, numa esquina entre dois prédios maiores, dava um ar sombrio, decadente e discreto. Nenhum feitiço, nem mesmo dos mais simples, aumentava a claridade da luz, cantava quando a porta era aberta ou mantinha os cantos da loja limpos. Era óbvio que o povo das fadas nem olhava duas vezes para aquele lugar. Elas não tinham interesse algum nos materiais usados para o Ofício, só queriam saber do produto final.
Os estabelecimentos do outro lado da rua já eram outra história. As saias de uma mulher sumiram pela porta da Firth & Maester, e eu soube, por aquele relance, que era uma fada. Nenhuma mulher mortal poderia pagar pelos vestidos de renda vendidos ali. E o mesmo pode ser dito sobre compras feitas na Confeitaria ao lado, cuja placa anunciava flores de maçapão, balas feitas de amêndoas importadas, as quais vinham do Mundo Além sob enorme custo e perigo. Feitiços, e apenas feitiços, eram pagamento digno do Ofício de tal calibre.
Quando Phineas se empertigou, seus olhos brilhavam de um modo que reconheci muito bem. Não… “Reconheci” não era a palavra correta. Era um brilho que eu temia. Ele afastou um cacho do rosto e meu coração afundou, afundou e afundou mais um pouco. “Por favor”, pensei, “de novo, não”.
— Srta. Isobel, você se importaria de dar uma olhada em meu Ofício? Sei que não chego aos seus pés — acrescentou correndo, esforçando-se para manter a coragem —, mas o Mestre Hartford tem me encorajado, pois é meu mentor, e há anos que venho praticando.
Phineas segurava uma pintura contra o peito, escondendo, receoso, a parte da frente, como se temesse expor não a tela, mas a própria alma. Eu conhecia muito bem o sentimento, o que não ajudava em nada no que viria a seguir.
— Seria um prazer — respondi.
Pelo menos eu era experiente em sorrisos forçados.
Ele me entregou a tela e eu a virei, expondo uma paisagem à luz fraca da loja. Fui inundada por alívio. Graças a deus, não era um retrato. Sei que pareço muito arrogante, mas meu Ofício era visto com tanta estima que o povo das fadas não contrataria mais ninguém até que eu estivesse morta e enterrada… E até que eles reparassem que eu estava a sete palmos do chão, o que poderia demorar mais algumas décadas. Eu temia por todo novo retratista surgindo após minha fama. Talvez Phineas tivesse alguma chance.
— Está muito bom — falei com sinceridade, devolvendo a pintura. — Você tem um excelente domínio de cor e composição. Continue treinando, mas mesmo por enquanto… — hesitei. — Você pode conseguir vender seu Ofício.
Phineas corou e pareceu crescer cinco centímetros bem na minha frente. Meu alívio se esvaiu. Normalmente, o que vinha em seguida era a pior parte. Eu me preparei para ouvir exatamente a pergunta que eu temia.
— Você… A senhorita acredita que poderia me indicar a algum de seus clientes?
Voltei a olhar pela janela, onde a própria sra. Firth arrumava um vestido na vitrine da Firth & Maester. Quando eu era mais nova, tinha certeza de que ela era do povo das fadas. Afinal, tinha uma pele impecável, uma voz mais melodiosa do que a de um canarinho e cachos castanhos e brilhantes demais para serem naturais. Devia estar beirando os cinquenta anos, mas mal parecia ter mais do que vinte. Só entendi meu erro muito depois, quando aprendi a identificar encantos. Com o passar do tempo, me desencantei com relação a encantos, que eram basicamente mentiras. Não importava o quão eruditos eram enunciados, feitiços de todo tipo, tirando os mais práticos e comuns, acabavam azedando. Aqueles cujas palavras não eram pronunciadas de forma inteligente chegavam a arruinar vidas. Em troca pela cintura de 55 centímetros, a sra. Firth não podia falar palavra alguma que começasse com vogal. No outubro passado, o padeiro-chefe da Confeitaria se atrapalhara e trocara três décadas de vida por olhos mais azuis, deixando sua esposa viúva. Mesmo assim, com a visão do Poço Verde flutuando ao fundo, a promessa do próprio paraíso, o fascínio pela riqueza e pela beleza seduzia o reino Excêntrico.
Notando minha relutância, Phineas não demorou a acrescentar:
— Ninguém importante, é claro. Aquele Swallowtail parece ser um bom tipo de fada. Eu às vezes o vejo na cidade, comprando Ofício na rua. Sempre dizem que o povo da corte da primavera é mais bondoso ao fazer negócios.
A verdade era que nenhuma fada era bondosa, não importava qual fosse sua corte. Apenas fingiam ser. Só de pensar em Swallowtail próximo de Phineas me deu ânsia de vômito. Ele não era a pior fada que eu conhecia, nem de longe, mas brincaria com as palavras até convencer o coitado a trocar o primogênito por menos espinhas.
— Phineas… você deve saber que, por conta do meu Ofício, passo mais tempo na companhia do povo das fadas do que qualquer outro aqui no reino Excêntrico.
Encontrei seu olhar do outro lado do balcão. Seu rosto murchou; sem dúvida imaginava que eu fosse recusar, mas insisti, apesar daquela tristeza.
— Portanto, acredite em mim: se quiser negociar com eles, deve ser cauteloso. Ser incapaz de mentir não faz deles seres honestos. Tentarão enganá-lo o tempo todo. Se uma oferta parecer boa demais para ser verdade, é porque é mesmo. Os termos do feitiço não podem deixar espaço para trapaça. Espaço nenhum.
Ele ficou tão alegre que temi que meus esforços fossem em vão.
— Quer dizer que vai me recomendar?
— Talvez, mas não para Swallowtail. Não faça negócios com ele até ter dominado as artimanhas do povo das fadas.
Mordendo minha bochecha, vi de esguelha um homem sair da Firth & Maester: Gadfly. Óbvio que iria àquela loja para encomendar o bordado. Apesar de eu estar quase invisível, dentro da loja escura do outro lado da rua, ele olhou precisamente na minha direção, então sorriu e acenou. Todos na rua se viraram, inclusive o grupinho de moças que o aguardava lá fora, ansiosos para descobrir quem tinha tamanha importância para merecer sua atenção.
— Ele vai servir — declarei.
Deixei as moedas no balcão e pendurei a bolsa no ombro, evitando o nível de euforia que surgia no rosto de Phineas.
— Gadfly é meu cliente mais estimado — continuei — e gosta de ser o primeiro a descobrir novos Ofícios. Ele é sua melhor aposta.
Referia-me a mais de um sentido. A opção mais segura para Phineas era Gadfly. Se eu não tivesse começado a trabalhar com ele quando ainda tinha doze anos, mesmo com a ajuda de Emma, provavelmente não teria chegado viva aos dezessete. E, mesmo assim, ainda não conseguia me livrar da sensação de estar, com aquele favor, dando a Phineas uma faca de dois gumes, cumprindo um desejo profundo que no final ou o destruiria ou o decepcionaria. A culpa me empurrou até a porta sem nem me despedir, mas fiquei paralisada ao tocar a maçaneta.
Uma pintura pendia da parede de entrada. Desbotada pelo tempo, representava um homem sobre uma colina, cercado por árvores de cores estranhas. Seu rosto estava escondido nas sombras, mas bradava uma espada que brilhava intensamente, mesmo sob a luz cinzenta. Cães pálidos subiam a colina em sua direção, suspensos no ar em meio ao salto. Senti um calafrio. Conhecia aquela silhueta. Ele fora bastante retratado em pinturas de mais de trezentos anos atrás, quando parara de visitar o reino Excêntrico sem dar explicação alguma. Em todos os trabalhos remanescentes, ele sempre estava à distância, sempre lutando contra a Caça Bravia.
Amanhã, ele estaria no meu estúdio.
Empurrando a porta, cumprimentei Gadfly com uma reverência, abaixei a cabeça e corri em meio à horda de curiosos. Exclamações me seguiram. Alguém chamou meu nome, talvez esperando pelo mesmo favor que Phineas pedira. Desde que Emma tocara no assunto, eu via a verdade estampada no rosto de todo mundo. Estavam atentos, esperando que aceitasse o convite em resposta ao qual eu preferia morrer a considerar por meio segundo. Nunca seria capaz de explicar a eles que, para mim, o Poço Verde não era o paraíso, era o inferno.
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O sol já se punha quando voltei para casa. Na trilha pelo campo de trigo, meus passos seguiam o zumbido rítmico dos gafanhotos, e o calor estival, intensificado pelo ângulo da luz, deixava minha nuca grudenta de suor, que resfriava sempre que a brisa afastava meu cabelo. Os telhados tortos e coloridos da cidade ficaram para trás até sumirem de vista, a trilha estreita de volta para casa era escondida pelas colinas, dividida como a repartição do cabelo de uma mulher. Se eu andasse rápido, chegaria em exatamente 32 minutos.
Era sempre verão no reino Excêntrico. Aqui as estações não mudavam de acordo com a passagem do tempo, como acontecia no Mundo Além — um conceito que eu mal era capaz de imaginar. Enquanto caminhava pelo caminho imutável, as árvores estranhamente coloridas da pintura me assombraram, como um sonho recente. Pelo que diziam, o outono era uma época sombria em que o mundo secava, os pássaros desapareciam e as folhas caíam dos galhos, desbotadas, como se estivessem mortas. Certamente o que tínhamos era melhor. Mais seguro. Céus de um azul sem fim e trigo perpetuamente dourado podiam perder a graça, mas disse a mim mesma, e não pela primeira vez, que era besteira desejar outra coisa. Havia dores muito piores do que o tédio — e aconteciam todas no Mundo Além.
Um cheiro podre me arrancou dos pensamentos frustrados. Aquela parte da trilha se aproximava da beira da floresta, então, preocupada, olhei para as sombras. Arbustos densos de espinhos e madressilvas floresciam como uma barreira sob os galhos. Muito antigamente, na época menos amistosa antes da proibição do ferro, fazendeiros arriscavam a vida para enfiar pregos nas árvores mais fronteiriças, afastando maldade feérica. Ver os pregos velhos, dobrados, torcidos e enferrujados, quase irreconhecíveis, sempre me causava um calafrio desconfortável.
Voltando a olhar para os arbustos, não vi nada de estranho. Provavelmente estava sendo paranoica, certeza de que se tratava de algum esquilo morto, apodrecendo no mato. Tranquilizada, mas de forma relutante, abri a bolsa pela quarta ou quinta vez para verificar se não tinha esquecido nada na loja — uma mania estranha que eu tinha, já que nunca cometia esse tipo de erro. Quando olhei para a frente de novo, alguma coisa estava errada. Uma criatura se encontrava no ponto alto da colina à frente, ao lado do carvalho solitário que marcava a metade do meu caminho para casa.
Minha primeira impressão me dizia ser um veado. Seria um tremendamente enorme, mas a forma era mais ou menos similar: quatro patas, dois chifres. Até que a criatura se virou para me olhar e, imediatamente, entendi que estava errada.
A estranheza logo se espalhou. A brisa desapareceu, deixando o ar parado e quente, sufocante. Os pássaros pararam de cantar, os gafanhotos pararam de zumbir, e até o trigo murchou no ar estagnado. O forte cheiro podre me tomou inteiramente. Caí de joelhos, mas era tarde demais.
A criatura que não era um veado estava me encarando.
Apesar do calor, um calafrio febril percorreu minha pele, embolando meu estômago. Eu sabia o que era essa tal criatura. Também sabia que não sairia viva dessa. Ninguém podia correr ou se esconder de uma fera fada. Aquela criatura nascera de um monte tumular, a união grotesca da magia feérica e de restos humanos antigos. Algumas agiam como servos e guardas aos mestres. Outras surgiam da terra sem precisar de um chamado. Um monstro desse tipo matou meus pais quando eu era uma menininha, o fizera com tanta violência que Emma não me deixara ver os corpos, e eu estava prestes a morrer do mesmo modo. Acho que minha cabeça não era capaz de processar as coisas direito, porque meu próximo pensamento foi que eu não devia ter desperdiçado tanto dinheiro em pigmentos; afinal, nunca mais os usaria.
A fera fada abaixou a cabeça e urrou pelo campo, um som profundo, vibrante e pútrido, como se alguém tivesse soprado um berrante antigo, que um dia fora espetacular, mas que agora estava cheio de musgo podre. Sacudiu o corpo pesado, começando pelos chifres, e disparou colina abaixo.
Coloquei-me de pé num só pulo e corri. Não na direção de casa, que estava a menos de um quilômetro dali, mas no sentido oposto, mais longe, adentrando o campo. Se pudesse fazer alguma coisa de útil nos meus últimos momentos de vida, seria tentar afastar aquele troço da minha família.
O trigo cedeu ao redor das minhas saias levantadas. Caules quebravam sob minhas botas e as espigas ásperas arranhavam meus braços nus. A bolsa quicava contra minhas coxas, pesada, diminuindo minha velocidade. Gafanhotos saltitavam para fora do caminho como se arremessados por uma mão invisível. A princípio, só ouvi minha respiração, que estava ofegante. Nada parecia ser verdade. Poderia estar correndo pelo campo só por diversão, em um lindo dia sob um céu azul impecável.
Até que sombras geladas tocaram minhas costas suadas e a escuridão me envolveu. O trigo se sacudiu como ondas num oceano tempestuoso. Um casco bateu ao meu lado, afundando inteiramente na terra. Joguei-me para trás, tropecei e caí, me embolando nas plantas. A fera fada se ergueu acima de mim.
A máscara de veado orgulhoso estremeceu sobre o monstro como o reflexo do sol na água. Nos espaços escuros entre as ilusões, via-se uma forma esquelética de casca decomposta, amarrada por cipós que se moviam como tendões, um rosto de caveira, chifres que não eram bem chifres, mas sim galhos retorcidos e bem amarrados por plantas espinhentas, do comprimento de uma pessoa. A fera fada exalava doença; quando bufou e ergueu uma pata trêmula, pedaços de casca se soltaram, rolando pelo chão. Dali, besouros brilhantes saíram aos montes, cobrindo minhas meias conforme fugiam para todos os lados. Engasguei com o gosto de podridão que se instalou no fundo da minha garganta.
A fera fada se ergueu nas patas traseiras, bloqueando o sol. Achei que a última coisa que veria antes de morrer seria a constelação de vermes saindo e entrando daquela barriga. Portanto, não soube como reagir quando o monstro simplesmente desabou na minha frente, uma pilha mole e desconexa de madeira apodrecida. Centopeias maiores que minhas mãos rolaram pela grama. Duas mariposas gigantes saíram voando. Os gafanhotos voltaram a zumbir imediatamente, como se nada tivesse acontecido, mas eu continuei no chão, tremendo e encharcada de suor, sentindo o coração sair pelos ouvidos. Com um grito de repulsa, chutei os escombros. Fragmentos de osso se espalharam em meio à casca de árvore. O cadáver humano que lhe dava vida havia sido destruído.
— Faz dois dias que estou seguindo essa fera, mas talvez não a alcançasse se você não tivesse chamado sua atenção — disse uma voz animada e calorosa. — Chama-se baronete, caso lhe interesse.
Desviei o olhar dos restos da fera fada. Um homem estava agora à minha frente, mas na contraluz eu não conseguia distinguir suas feições, só que era alto e magro e que embainhava uma espada.
— Chamado sua… — parei, chocada e um tanto ofendida.
Ele falava como se fosse puro lazer, como se minha vida não tivesse a menor importância; o que, obviamente, me dizia tudo de que precisava saber. Aquele ser parecia um homem, mas não era humano.
— Obrigada — corrigi-me, engolindo minha indignação. — O senhor salvou minha vida.
— Salvei? Do baronete? Imagino que sim. Neste caso, o prazer foi meu… Ah. Não sei seu nome.
Uma sensação desconfortável me chacoalhou como um trovão de madrugada. Ele não me reconhecia, o que significava que não visitava o reino Excêntrico com frequência, quiçá nunca. Seja lá quem fosse, seria mais perigoso do que o povo das fadas com o qual normalmente lidava. Além disso, como todos de sua espécie, não resistia a pedir meu verdadeiro nome. Aguardei um instante, avaliando minha mente e meus sentidos, e concluí, aliviada, que ele não me enfeitiçara com malícia, para que eu falasse mais abertamente ou revelasse segredos que não queria. No reino Excêntrico, ninguém usava o nome que lhe fora designado ao nascer. Fazer isso seria se expor a sortilégio, por meio do qual uma fada poderia controlar um mortal, de corpo e alma, para sempre, sem que a vítima nem soubesse — simplesmente pelo poder daquela única palavra secreta. Era a forma mais perversa da magia feérica, a mais temida.
— Isobel — respondi, me levantando com dificuldade para cumprimentá-lo com uma reverência.
Se ele notou que usei um nome falso, não deixou transparecer. Passou por cima da pilha de escombros com um passo longo e curvou-se em profunda reverência. Então tomou minha mão nas suas, a ergueu e a beijou. Contive uma careta. Se fosse para me tocar, preferia que tivesse me ajudado a levantar.
— O prazer foi todo meu, Isobel.
Os lábios dele eram frios contra meus dedos. Com a cabeça abaixada, eu só via seu cabelo desgrenhado — ondulado, sem chegar a formar cachos, e escuro, com o mais leve toque avermelhado sob o sol. O total desarranjo me fez lembrar de penas de falcão ou corvo, bagunçadas pelo vento forte. Assim como Gadfly, o cheiro dele também era marcante: uma mistura de folhas secas, noites frescas sob a lua iluminada, ferocidade, desejo. Meu coração batia forte, aterrorizado tanto pela fera fada quanto pelo encontro igualmente perigoso com uma fada no campo. Portanto, minha tolice terá que ser perdoada por dizer que, de repente, queria aquele perfume como nunca quisera nada antes. Queria com uma sede desesperada. Não queria ele, exatamente, mas a mudança radical e misteriosa que aquilo representava — a promessa de que, fora daqui, o mundo era diferente.
Ora, isso não daria em nada. Minha irritação voltou como se hasteasse uma bandeira num mastro.
— Nunca um beijo na mão durou tanto tempo, senhor.
Ele se endireitou.
— Para o povo das fadas, a passagem do tempo não é algo com que nos preocupamos — respondeu ele, com um meio-sorriso.
Parecia-me ter um ou dois anos a mais do que eu, mas, claro, sua idade verdadeira podia ser mais de cem vezes aquilo. Ele tinha feições finas e aristocráticas, em conflito com o cabelo desgrenhado, e uma boca expressiva que eu imediatamente quis pintar. As sombras no canto, a dobra leve de um dos lados, onde o sorriso se desequilibrava…
— Eu disse — repetiu ele — que a passagem do tempo não é algo com que o povo das fadas se preocupe.
Ergui meu olhar e vi que ele me encarava, em fascínio perplexo, seu sorriso ainda congelado no rosto. Ali estava a falha: a cor dos olhos, um tom peculiar de ametista, contrastando com o tom acobreado da pele, que me fazia pensar no sol do entardecer iluminando folhas caídas. Aqueles olhos me incomodaram de imediato, por um motivo além da cor inusitada, mas, por mais que tentasse, não era capaz de identificá-lo.
— Perdoe-me. Eu sou retratista e tenho a mania de olhar para as pessoas e me esquecer de todo o resto. Ouvi o que o senhor disse, só não tenho uma resposta.
A fada olhou de relance para minha bolsa. Quando voltou a atenção para mim, seu sorriso não estava mais lá.
— Claro. Imagino que, em geral, nossas vidas estejam além da compreensão humana.
— Você sabe por que o baronete saiu da floresta e entrou no reino Excêntrico, senhor? — perguntei, porque tive a sensação de que ele esperava algum tipo de validação por todo o seu mistério, mas eu queria que a conversa fosse curta e prática.
Feras fadas eram raras por aqui e sua presença era extremamente preocupante.
— Isso eu não saberia dizer. Talvez a Caça Bravia o tenha trazido, ou talvez só quisesse passear. Eles têm surgido com mais frequência ultimamente e andam causando uma tremenda bagunça.
Para uma fada, “ultimamente” podia significar qualquer coisa, incluindo a morte dos meus pais.
— É mesmo, humanos mortos costumam ser uma bagunça.
Ele arqueou as sobrancelhas milimetricamente, franzindo-as no meio, e seu olhar se aguçou, atento. Sabia que tinha me incomodado de alguma forma, mas, como era costumeiro entre seu povo, não compreendia o porquê. Sua capacidade de compreender a dor de uma morte humana era tão existente quanto à de uma raposa de sentir a dor de matar uma presa.
Eu só tinha uma certeza: não queria prolongar tempo suficiente para que ele decidisse que a confusão o ofendia e que sua causadora merecia uma vingança na forma de um feitiço cruel.
Abaixei a cabeça e fiz outra reverência.
— O povo de Excêntrico é grato por sua proteção. Nunca esquecerei o que fez por mim hoje. Tenha um bom dia, senhor.
Esperei até que ele retribuísse a reverência e dei meia-volta.
— Espere — chamou ele.
Congelei.
Atrás de mim, ouvi o trigo se mexer.
— Falei alguma coisa errada. Peço que me perdoe.
Lentamente, olhei por cima do ombro e o encontrei retribuindo o olhar, estranhamente inseguro. Eu não fazia ideia de como reagir. Era de conhecimento popular que o povo das fadas às vezes se desculpava — pois dava enorme valor aos bons modos —, mas em geral fadas seguiam um código injusto, esperando que fossem os humanos os educados e fazendo tudo que podiam para se esquivar de ter que reconhecer seus próprios comportamentos inadequados. Eu estava chocada.
Por isso, respondi a única coisa que me veio à cabeça:
— Está perdoado.
— Ah, que bom.
O meio-sorriso dele ressurgiu e, no mesmo instante, ele passou de insegurança a extrema satisfação consigo mesmo.
— Então nos vemos amanhã, Isobel.
Eu já havia começado a andar quando finalmente entendi o que ele dissera e o que aquilo significava. Dei meia-volta de novo, mas a fada, que não poderia ser ninguém mais ninguém menos do que o príncipe do outono, já não estava mais ali: trigo balançava ao redor da trilha vazia e o único sinal de vida no campo inteiro era um corvo voando em direção à floresta, as penas brilhando avermelhadas sob a luz do sol poente.
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